QUANDO O MEME ULTRAPASSA O LIMITE DO HUMOR E PODE VIRAR CRIME

Professor da Faculdade Nova Roma Bruno Xavier explica os limites jurídicos dos memes e o que deve ser feito caso a pessoa se sinta lesada por essa exposição

A relação dos brasileiros com a internet carrega uma forte conexão com o humor e com uma linguagem tão própria que parece ter sido inventada aqui em terras tupiniquins: os memes. Em todas as redes sociais eles estão presentes e muitas vezes são a estrela das interações entre os internautas assumindo o papel de disseminar informações e pautar debates.

O formato consiste geralmente em uma imagem, acompanhada de algum conteúdo textual com tom cômico ou satírico, mas o próprio conceito pode ser identificado também em vídeos, por exemplo. Estão presentes nas discussões sobre cultura pop e em assuntos mais sérios, como política, guerra e até mesmo questões de saúde pública, como o caso da Covid-19 mais recentemente.

Da possibilidade de surgir de absolutamente qualquer assunto, a produção massiva dos memes podem extrapolar limites não só do bom senso, mas também da lei. “Virar meme” significa ter a sua imagem associada a alguma situação inusitada e vê-la sendo compartilhada sem qualquer controle pela rede. Embora para alguns isso traga alguma visibilidade desejada, a exposição pode trazer danos e representar desconforto para outros.

Já passou do tempo em que a internet poderia ser vista como uma terra sem lei. Um exemplo recente exemplifica os limites dessa exposição, mesmo quando ela é autorizada. Após estrelar um comercial de um banco em janeiro deste ano, a bebê Alice virou meme e passou a ter sua imagem replicada na internet em diferentes contextos. Não demorou muito para que a mãe se pronunciasse de forma contrária ao compartilhamento e associação a assuntos políticos ou religiosos.

“O fato de uma imagem estar na internet não significa dizer que o conteúdo dela é público”, relembra o professor de direito da Faculdade Nova Roma Bruno Xavier, que comenta sobre as consequências jurídicas sobre o direito de imagem. “Aquele que utiliza uma imagem que está na internet sem autorização do autor dela, pode acabar respondendo civilmente, tendo que pagar uma indenização a título de danos morais”, completa.

O direito de imagem na legislação brasileira

As implicações explicadas pelo professor estão amparadas em diferentes legislações brasileiras. A princípio, o direito de imagem é regido pela Constituição Federal e é definido como uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso X que diz “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

“Na esfera penal, a punição pode chegar à reclusão daquele que indevidamente divulga a imagem de terceiros. É um tempo de 6 meses a dois anos, além da aplicação de multa”, completa.

A imagem pessoal também é resguardada pelo Código Civil, que a define como um direito da personalidade. Isso significa que a imagem faz parte da identidade do indivíduo e, por isso, é permitido a realização da individualidade e a defesa daquilo que é seu, o que pode se estender também para outras características.

“Quando a gente fala inclusive em imagem, a gente não está falando só na imagem retrato, mas também na característica das pessoas. Quando a gente trata disso também diz respeito a voz, por exemplo. A voz da pessoa é protegida dentro da proteção de direito de imagem”, exemplifica Bruno Xavier.

A depender da forma como a imagem é compartilhada, ela também pode ser configurada crime. O código penal traz ainda tipificações específicas quando o compartilhamento contém cena de nudez, sexo ou envolve crianças, por exemplo. Esta última conduta é vedada pela Lei 13.709/2018, que estabelece o consentimento de pelo menos um dos pais ou representante legal, e desde que o compartilhamento não afete o livre desenvolvimento da personalidade da criança.

Além das regras jurídicas em relação ao direito de imagem se aplicarem também ao ambiente online, algumas legislações já foram criadas de acordo com as demandas impostas pelas relações na internet. O marco civil da internet, de 2014, e mais recentemente, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também legislam sobre o assunto.

Como denunciar

Qualquer pessoa que se sinta lesada por ter sua imagem veiculada na internet pode procurar suporte jurídico. “Ela pode requerer através de um processo na esfera civil para cessação da utilização daquela imagem específica. Então o juiz determina a retirada da imagem de sites, redes sociais e a depender do caso, pode configurar crime e aí além do pedido de retirada, a pessoa pode procurar uma delegacia”, explica o especialista.

Alguns lugares do Brasil contam também com delegacias especializadas em crimes cibernéticos. Nesses lugares, é possível fazer um boletim de ocorrência dos delitos cometidos na internet, o que incluem além do direito de imagem, calúnia, difamação, injúria, estelionato, dano e violação de direitos autorais, por exemplo. No Recife, Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DPCRICI) fica localizada na Rua Gervásio Pires, 863, no bairro de Santo Amaro.