SOLIDARIEDADE E VOLUNTARIADO: UM PARADOXO BRASILEIRO

Por Blenda Alves*

Solidariedade e voluntariado. Palavras que nos remetem a um sentido único, de fraternidade, compaixão, mas que, na prática, revelam-se de forma paradoxal na sociedade brasileira. Temos muitos solidários para poucos voluntários: essa é a realidade que se impõe e exprime a enorme diferença que há entre ‘ser solidário’ e ‘ser voluntário’ em nosso país.

Temos fama de povo caridoso, sempre disposto a intervir em momentos de comoção. Casos como o de Brumadinho/MG e outros mais recentes, como as chuvas que devastaram cidades do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco são provas repetidas do imenso altruísmo que mobiliza nossa gente. É indiscutível, somos solidários!

Mas, quando se trata de voluntariado, a situação é surpreendentemente oposta. Só 4% da população se dedica a atividades do gênero, segundo a Pnad Contínua 2019. Nos Estados Unidos, esse contingente supera 30%. Das razões, arrisco apontar aqui, uma delas é a falta de envolvimento das grandes corporações em projetos de voluntariado. Segundo o Datafolha, apenas 15% das atividades voluntárias são organizadas por empresas.

Creio que essa realidade pode mudar justamente com a força do mundo empresarial, que tem pessoas, organização, comunicação e investimento em ações sociais. O trabalho voluntário demanda enorme compreensão de gestão para que seja contínuo; precisa ser desenvolvido de forma racional, ter resultados mensuráveis, ser constantemente avaliado e respaldado por indicadores – exatamente como fazem as empresas.  Além do ambiente corporativo, por sua vez, ter enorme potencial aglutinador, capaz de despertar a transformação de muitos ‘solidários’ em ‘voluntários’.

A experiência nos mostra isso. Desde 2014 a MRV&CO decidiu fomentar o voluntariado corporativo entre seus colaboradores, com o Instituto MRV, e o incentivo já soma mais de 4,2 mil participações.

A crescente preocupação com a agenda ESG, tendo o voluntariado um aliado estratégico no eixo “S”, é fator importante nessa conjuntura e deve servir para acelerar esse processo – assim esperamos e torcemos.

Até lá, cabe enaltecer essa minoria de abnegados da pátria, nossos voluntários. Em homenagem a eles, neste mês que celebra o Dia do Voluntariado, relembro uma fábula do sociólogo Herbert de Souza, o inesquecível Betinho, que narra o diálogo entre um beija-flor e um leão, durante um incêndio em uma floresta: O beija-flor ia do rio para o incêndio levando uma gotinha de água no bico. O leão, intrigado, perguntou: “Ô beija-flor, você acha que vai conseguir apagar o incêndio sozinho”? E o beija-flor respondeu: “Não sei se vou conseguir, mas estou fazendo a minha parte”.

*Sobre Blenda Alves

Formada em Serviço Social e Gestão das Organizações do Terceiro Setor, com MBA em Gestão de Negócios e Inovação e pós-graduações em Gestão em Responsabilidade Social e em Gerenciamento de Projetos de Ciências Sociais Aplicadas, é coordenadora do Instituto MRV.